Por Leandro Kruszielski
Existem teorias científicas que revolucionam o modo de
pensar de determinada área do conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em
geral e, consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. A teoria das
Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (pesquise livros e preços de edições
brasileiras) parece estar enquadrada nos dois casos.
Existem teorias científicas que revolucionam o modo de
pensar de determinada área do conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em
geral e, consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. A teoria das
Inteligências Múltiplas de Howard Gardner parece estar enquadrada nos dois
casos.
Este fato acarreta vantagens e desvantagens. A grande
vantagem, neste caso, é a mudança de pensamento de pessoas que normalmente não
tem acesso ou interesse em artigos científicos. A desvantagem encontra-se no
fato de que, ao tornar-se uma teoria "popular", correria riscos de
ser tratada superficialmente permitindo que os eventuais erros fossem expostos
sem uma análise mais crítica.
Pensando desta maneira, o presente trabalho pretende
apresentar de forma sucinta a teoria das Inteligências Múltiplas e realizar uma
breve análise crítica da teoria, enfocando principalmente o aspecto
neuropsicológico inserido nela. Por esta razão, durante a exposição da teoria
em si, embora mantendo fidelidade ao conteúdo original, serão utilizados outros
autores para fundamentar as inteligências em seu aspecto cerebral.
Fundamentando-se assim, poderá acontecer uma crítica mais consistente por estar
enfocada em determinado aspecto, que anteriormente foi destacado na
apresentação da teoria.
A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
Em 1900 o psicólogo francês Alfred Binet foi solicitado para
que desenvolvesse uma medida de predição do sucesso escolar de crianças das
primeiras séries. Desta forma surgiu o primeiro teste de inteligência. Tal
teste tinha por finalidade geral diferenciar crianças retardadas e crianças
normais nos mais diferentes graus. Após a I Guerra Mundial, onde o teste de
Q.I. (Quociente Intelectual) foi utilizado para medir a inteligência dos
soldados, tornou-se muito popular sua aplicação.
Com a popularização do teste, propagou-se a idéia de
inteligência nele inserida. A inteligência seria única, estagnada, passível de
ser medida quantitativamente. Segundo GARDNER (1995, p. 21), autor da teoria
das Inteligências Múltiplas que veremos a seguir, segundo esta visão
tradicional: "a inteligência é (...) a capacidade de responder a itens em
testes de inteligência". Os testes psicométricos consideram que existe uma
inteligência geral, nos quais os seres humanos diferem uns dos outros, que é
denominada g. Este g pode ser medido através da análise estatística dos
resultados dos testes. É importante acrescentar que tal maneira de encarar a
inteligência ainda hoje está presente no senso comum e mesmo em muitas parcelas
do meio científico.
Porém podemos observar que durante todo o século XX, vários
psicólogos e cientistas de outras áreas do conhecimento fizeram fortes críticas
aos testes de Q.I. Vygotsky, por exemplo, apontou o erro no que diz respeito
aos testes de inteligência abordarem as zonas de desenvolvimento proximal de
modo errado. Piaget trabalhava com tais testes, mas a sua atenção era voltada
para as linhas de raciocínio das crianças, não para as respostas dadas.
Estudando as respostas erradas e os raciocínios que conduziam a elas, Piaget
construiu parte de sua teoria. Ao criticarem o modo como era medido a
inteligência, o próprio conceito de inteligência contido em tais testes era
também criticado.
Entretanto uma proposta mais revolucionária surgiu
recentemente através de Howard Gardner, psicólogo e professor norte americano.
GARDNER (1995, p.14) entende por inteligência "a capacidade para resolver
problemas ou elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes
culturais ou comunitários".
A novidade dentro da teoria de Gardner é
considerar a inteligência como possuindo várias facetas. Tais facetas, que na
verdade são talentos, capacidades e habilidades mentais; são chamadas de
inteligências na teoria das Inteligências Múltiplas, como o próprio nome
explicita.
Antes de discorrer a respeito da teoria e das diversas
inteligências vale lembrar de um curioso incidente que aconteceu em nosso país
antes de Copa do Mundo de 1958. O Brasil possuía seu primeiro psicólogo
esportivo, João Carvalhaes, que atendia a seleção brasileira de futebol. O
psicólogo resolveu aplicar em todos os jogadores testes de QI. Garrincha, que
estava no apogeu de sua carreira, após responder os testes ficou sabendo que
seu quociente intelectual era irrisório, sendo classificado como débil mental.
Por este motivo quase foi impedido de participar da Copa. (MODERNELL, 1992, p.
56)
Ninguém duvida do talento que possuía este atleta quando se
encontrava no meio de um gramado com a bola nos pés. Todavia, o teste
psicométrico de inteligência indicava Garricha como uma pessoa sem grandes
chances de ser bem sucedido em sua vida, o que não correspondeu à realidade.
Fica claro que os testes de QI predizem apenas como vai ser o desempenho
escolar e não o sucesso profissional depois de concluída a instrução formal.
É dentro desta perspectiva que Gardner apresenta a teoria
das Inteligências Múltiplas (IM). Os testes de QI medem apenas as capacidades
lógica e lingüística, capacidades que normalmente são as únicas exigidas e
avaliadas pelas escolas e, sem dúvida, as capacidades mais valorizadas em nossa
sociedade. Gardner pretende considerar também as outras capacidades, as outras
"inteligências" menos lembradas, para analisá-las em sua teoria.
Para selecionar quais as inteligências que seriam
trabalhadas em sua teoria foram utilizadas diversas fontes: as informações
disponíveis sobre o desenvolvimento normal e o desenvolvimento do indivíduo
talentoso; estudos sobre populações prodígios, idiotas sábios, crianças
autistas, crianças com dificuldade de aprendizagem; dados sobre a evolução da
cognição; considerações culturais comparadas sobre a cognição; estudos
psicométricos; estudos de treinamento psicológico e principalmente análise da
perda das capacidades cognitivas nas condições de lesão cerebral. Foram
consideradas inteligências genuínas apenas as inteligências candidatas que
satisfaziam todos ou, pelo menos, a maioria dos critérios acima. Além disso
cada inteligência deveria ter uma operação nuclear ou um conjunto de operações
identificáveis e deveria também ser capaz de ser codificada em um sistema de
símbolos. (GARDNER, 1995, p. 21-22)
Deste modo, foram selecionadas sete inteligências em
particular: lógico-matemática, lingüística, musical, corporal-cinestésica,
espacial, interpessoal e intrapessoal. Cada uma delas será analisada
separadamente.
1 INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA
Como o próprio nome indica, a inteligência lógico-matemática
é a capacidade lógica e matemática, assim como a capacidade de raciocínio
científico ou indutivo, embora processos de pensamento dedutivo também estejam
envolvidos. Esta inteligência envolve a capacidade de reconhecer padrões, de
trabalhar com símbolos abstratos (como números e formas geométricas) assim como
discernir relacionamentos ou então ver conexões entre peças separadas ou
distintas. Relaciona-se, também, à capacidade de manejar habilmente longas cadeias
de raciocínio, elaborar perguntas que ninguém fez, conceber problemas e
levá-los a diante. Juntamente com a linguagem, é a principal base para os
testes de QI. O desenvolvimento de tal inteligência foi o grande objeto de
estudo de Jean Piaget.
Tal inteligência possui uma natureza não-verbal, de modo que
a solução de um problema pode ser construída antes de ser articulada. Alguns
idiotas sábios realizam grandes façanhas de cálculo sem sequer saberem
comunicarem-se ou até mesmo realizar simples operações de adição ou subtração.
Como dois gêmeos relatados por SACKS (1997, p.217) que apenas vêem a resposta
do problema: "Uma data é mencionada e, quase instantaneamente, eles
informam em que dia da semana ela cairá. (...) Eles também podem dizer a data da
Páscoa durante o mesmo período de 80 mil anos." Enquanto tais gêmeos são
tragicamente deficientes em diversas áreas, conseguiram realizar um algoritmo
para a data da Páscoa que até mesmo o grande matemático Gauss teve uma enorme
dificuldade para descobrir. Possuem uma inteligência lógico-matemática
extremamente desenvolvida.
A região do córtex responsável pelo cálculo matemático em si
e, provavelmente, pela inteligência lógico-matemática situa-se na região
têmporo-paríeto-ocipital do hemisfério esquerdo. (LURIA, 1981, p. 25)
Está presente nos cientistas, programadores de computadores,
contadores, advogados, banqueiros e matemáticos.
2 INTELIGÊNCIA LINGÜÍSTICA
A inteligência lingüística é manifestada no uso da linguagem
(seja ela escrita, falada ou através de outro meio), no significado das
palavras; pela capacidade de seguir regras gramaticais e usar a linguagem para
convencer, estimular, transmitir informações ou simplesmente agradar. Ainda é
responsável por todas as complexas possibilidades lingüísticas, entre elas, a
poesia, as metáforas, o raciocínio abstrato e o pensamento simbólico.
São duas as principais áreas corticais responsáveis pela
linguagem. A área de Wernicke (lobo temporal do hemisfério esquerdo) é
responsável pelo entendimento da linguagem e a organização das palavras. A área
de Broca (giro pós-central do hemisfério esquerdo) cuida da articulação da
fala, da produção da linguagem expressiva. Ainda contribuem para a linguagem a
região têmporo-ocipto-parietal responsável pela organização gramatical e o
hemisfério direito para criar o ritmo, entonação e fluxo da fala. (SPRINGER;
DEUTSCH, 1993. p. 184-186).
Nos poetas, teatrólogos, escritores, novelistas, oradores e
comediantes podemos encontrar a inteligência lingüística bem desenvolvida.
3 INTELIGÊNCIA MUSICAL
Esta inteligência baseia-se no reconhecimento de padrões
tonais (incluindo sons do ambiente) e numa sensibilidade para ritmos e batidas.
Inclui também capacidades para o manuseio avançado de instrumentos musicais.
Não podemos separar para a inteligência musical determinadas
áreas corticais como fizemos para a inteligência lingüística. Mas sabemos que o
hemisfério direito, principalmente o lobo temporal, é o encarregado da audição
e da criação musical. Uma lesão maciça neste hemisfério pode levar a uma
amusia: o lesionado não consegue perceber combinações rítmicas ou até mesmo
entonações de voz. (LURIA, 1981, p. 112)
É destaque dos músicos, cantores, compositores e maestros.
4 INTELIGÊNCIA CORPORAL-CINESTÉSICA
A inteligência corporal-cinestésica está relacionada com o
movimento físico e com o conhecimento do corpo. É a habilidade de usar o corpo
para expressar uma emoção (dança e linguagem corporal) ou praticar um esporte,
por exemplo. Garrincha, reprovado no teste de QI, provavelmente apresentaria um
ótimo desempenho nesta inteligência se esta fosse submetida a um teste psicométrico.
"O controle do movimento corporal está, evidentemente,
localizado no córtex motor, com cada hemisfério dominante ou controlador dos
movimentos corporais no lado contra-lateral." (GARDNER, 1995, p. 23)
Porém
é possível acrescentar outras áreas corticais também importantes para a
realização do movimento que Gardner deixa de lado. Uma delas é o giro
pós-central, onde está localizado o Homúnculo de Penfield sensitivo. É uma
representação somatotópica: cada ponto sensitivo do corpo tem uma representação
nesta parte do córtex. Por exemplo, a mão, que possui muitos receptores
sensitivos, possui uma representação grande no córtex enquanto que o pé, com
menos receptores, possui uma área menor. (MACHADO, 1981, p. 219) Deste modo,
esta área cortical tem como função sentir, perceber o corpo para que o
movimento possa ser harmônico. Outra área importante é o córtex pré-motor, que
integra os impulsos motores no tempo, permitindo a criação de movimentos
habilidosos, suaves e finos. (LÚRIA, 1981, p. 154)
A inteligência corporal-cinestésica pode ser melhor
observada em atores, atletas, mímicos, artistas circenses e dançarinos
profissionais.
5 INTELIGÊNCIA ESPACIAL
A inteligência espacial é a capacidade de formar modelos
mentais (imagens) e operar com tais imagens. A imagem não é necessariamente
visual, pode ser construída uma imagem tátil, por exemplo, que é o que
geralmente faz uma pessoa cega ao tatear objetos. Esta inteligência lida com
atividades como as artes visuais, a navegação, a criação de mapas e a arquitetura.
Enquanto o hemisfério esquerdo do cérebro tornou-se mais
lingüístico durante a evolução, o hemisfério direito especializou-se no
processamento espacial. A principal área cortical que controle toda esta
questão espacial é a região têmporo-paríeto-ocipital. Uma lesão em tal área
impede que o lesionado consiga interpretar os ponteiros de um relógio,
encontrar sua posição em um mapa ou então orientar-se dentro de espaços
fechados. Fica claro o quanto esta a região têmporo-ocipto-parietal é
importante para uma inteligência espacial. (LURIA, 1981, p.24)
Engenheiros, escultores, cirurgiões plásticos, artistas
gráficos e arquitetos dependem desta inteligência para atuarem com êxito.
6 INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL
Esta inteligência opera, primeiramente, baseada no
relacionamento interpessoal e na comunicação. Envolve a habilidade de trabalhar
cooperativamente com outros num grupo e a habilidade de comunicação verbal e
não-verbal. Constrói a capacidade de perceber, por exemplo, alterações de
humor, temperamento, motivações e intenções de outras pessoas. Em sua forma
mais avançada a pessoa consegue ler, mesmo que os outros tentem esconder, os
desejos e intenções, podendo ter empatia por suas sensações, medos e crenças.
"Todos os indícios na pesquisa do cérebro sugerem que
os lobos frontais desempenham uma papel importante no conhecimento
interpessoal. Um dano nessa área pode provocar profundas mudanças de
personalidade, ao mesmo tempo em que não altera outras formas de resolução de
problemas - a pessoa geralmente não é a
mesma' depois de um dano desses." (GARDNER, 1995, p.27)
A inteligência interpessoal é desenvolvida nos professores,
terapeutas, políticos e líderes religiosos.
7 INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL
Esta outra inteligência pessoal está relacionada aos estados
interiores do ser, à auto-reflexão, à metacognição (reflexão sobre o refletir)
e à sensibilidade perante as realidades espirituais. Podemos dizer que é a
capacidade de formar um conceito verídico sobre si mesmo pois envolve o
conhecimento dos aspectos internos de cada um, como o conhecimento dos
sentimentos, a intensidade das respostas emocionais, a auto-reflexão e um senso
de intuição avançado.
"Assim como na inteligência interpessoal, os lobos
frontais desempenham um papel central na mudança de personalidade. Um dano na
área inferior dos lobos frontais provavelmente produzirá irritabilidade ou
euforia, ao passo que um dano nas regiões mais altas provavelmente produzirá
indiferença, desatenção, lentidão e apatia - um tipo de personalidade
depressiva". (GARDNER, 1995, p. 28)
Um bom desempenho da inteligência intrapessoal pode ser
encontrada em filósofos, conselheiros espirituais, psicólogos e pesquisadores
de padrões de cognição.
Estas são as sete inteligências "clássicas"
apresentadas no livro "Estruturas da Mente" de Gardner. O autor,
posteriormente passou a considerar também outras inteligências conforme podemos
observar em diversos artigos na internet. Uma delas é a inteligência
naturalística, que é a capacidade do ser humano relacionar-se com a natureza.
Outra inteligência "recente" é a pictórica ou pictográfica. Trata-se
da habilidade para desenhar. Existe ainda a "inteligência"
existencial que, na verdade, é considerada como uma meia inteligência por
preencher apenas quatro dos oito requisitos avaliados para assegurar a
existência da inteligência. Ela é responsável pela necessidade do homem fazer
perguntas sobre si mesmo, sua origem e seu fim.
Uma das características das IM é a independência em grau
significativo entre essas múltiplas faculdades humanas. Para explicar esta
independência Gardner apoia-se no fato de que, em caso de lesão cerebral,
determinadas capacidades são perdidas enquanto outras permanecem intactas.
Desta forma, segundo o autor, as inteligências não interferem umas nas outras.
(GARDNER, 1995, p. 29-30)
Contudo as inteligências agem de forma integrada. Um alto
nível de capacidade na inteligência corporal-cinestésica apenas, por exemplo,
não asseguraria a ninguém um sucesso como jogador de futebol. Seria necessário
também um bom desenvolvimento da inteligência espacial para realizar bons
passes e chutes a gol e também inteligência interpessoal desenvolvida para um
bom relacionamento com os companheiros, os adversário e a imprensa. Estas três
inteligências agindo de forma integrada provavelmente possibilitariam uma maior
chance de sucesso no esporte. Todavia não seria necessário, neste caso, um bom
desempenho da inteligência lógico-matemática, por exemplo, com bem demonstrou
Garrincha.
Como era de se esperar, as inteligências possuem um desenvolvimento
natural. Este inicia no início da vida com a capacidade de padronizar. Isto
equivaleria a diferenciar tons na inteligência musical ou apreciar arranjos
tridimensionais na inteligência espacial. O passo seguinte é a manifestação das
inteligências em sistemas simbólicos: a linguagem nas frases, a música nas
canções, a corporal-cinestésica na dança e assim por diante. A medida em que o
desenvolvimento avança e surge um ambiente formal de educação, as inteligências
passam a ser representadas em sistemas notacionais. São exemplos a matemática,
a notação musical, os mapas e plantas e assim por diante. Finalmente o
desenvolvimento atinge seu auge na expressão inteligente nas atividades
profissionais e de passatempo na adolescência e adultez. As inteligências
pessoais parecem não seguir este curso, surgindo muito mais gradualmente.
(GARDNER, 1995, p. 31-32)
CRÍTICA À TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
1 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E NEUROPSICOLOGIA
Uma das fontes para a escolha das inteligências propostas
acima foi o estudo de como tais capacidades falham sob condições de lesão
cerebral. Isto pressupõe que cada inteligência possui uma localização cerebral,
mais especificamente cortical. Assim sendo, uma lesão que incapacitaria
determinada inteligência, deixaria as demais intactas. A tabela abaixo
apresenta um resumo da representação cortical de todas as inteligências
consoante vimos ao analisar cada inteligência em particular.
Tabela 1 - Localização cortical das inteligências múltiplas
propostas por Gardner.
Podemos perceber através da tabela que diversas
inteligências são regidas pela mesma área do córtex cerebral. A região
têmporo-paríeto-ocipital é responsável ao mesmo tempo pelas inteligências
lógico-matemática, lingüística e espacial. As inteligências pessoais também são
comandadas por uma única área: os lobos frontais.
Isto invalida a independência das inteligências que Gardner
propõe. Imaginemos uma lesão na região têmporo-paríeto-ocipital. Ela acabaria
por afetar três inteligências ao mesmo tempo e não apenas uma.
Além disso, neste caso, os desenvolvimentos das
inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial não aconteceriam
separadamente, mas seriam dependentes entre si. LURIA (1981, p. 24-25)
desenvolve uma explicação destas áreas como sendo integradoras e essencialmente
espaciais. Assim, tanto a matemática quanto a gramática seriam trabalhadas pelo
cérebro de uma forma espacial. Uma deficiência espacial tornaria incapazes
tarefas de relacionar "espacialmente" os números entre si e construir
uma frase trabalhando as relações "espaciais" entre as palavras.
Não se trata das inteligências lógico-matemática e
lingüística serem englobadas pela inteligência espacial, mas da aceitação de
uma dependência e de uma relação íntima entre determinadas inteligências.
O mesmo ocorre com as inteligências pessoais. É possível
perceber que em várias características tais capacidades equivalem-se. Afinal,
uma mesma área cerebral é responsável pelas duas. Todo psicoterapeuta conhece e
chega mesmo a ser lugar-comum o fato de que só podemos conhecer bem o outro se
conhecermos bem a nós mesmos primeiro. Sendo assim uma inteligência
interpessoal desenvolvida necessita de uma inteligência intrapessoal também bem
trabalhada, o que sugere não existir uma independência entre as inteligências.
2 AS NOVAS INTELIGÊNCIAS
"Uma lista de 700 inteligências seria proibitiva para o
teórico e inútil para o praticante. Consequentemente, a teoria das IM tenta
articular apenas um número manejável de inteligências que parecem constituir
tipos naturais". (GARDNER, 1995, p.45) Esta foi a resposta dada pelo autor
da teoria das inteligências múltiplas quando perguntado o que impediria a
construção de novas inteligências: elas poderiam deixar de ser 7 e tornarem-se
700!
Porém surge a impressão de que o próprio autor está
caminhando contra o que afirmou ao apresentar as "novas"
inteligências naturalística, pictórica e existencial. Tendo em vista as
inúmeras capacidade humanas, por que a escolha arbitrária de algumas delas em
detrimento de outras? Se o objetivo era tornar as inteligências manejáveis
estando elas em número limitado de modo que o uso prático da teoria possuísse
maior eficácia, a adoção de novas inteligências somente dificultaria este
processo.
Se Gardner apresenta novas inteligências, nada impede que
outras inteligências sejam descobertas - ou criadas - por outros autores. Isto
é preocupante pois não parece ser tarefa muito árdua a criação de uma nova
inteligência. Para demonstrar esta afirmação, apresento neste trabalho um
esboço de uma nova inteligência: a inteligência palato-olfativa.
Podemos considerar tal inteligência como a capacidade de
sentir o gosto e o cheiro das substâncias e identificá-las com precisão. Em
nossa sociedade esta inteligência seria valorizada nos cozinheiros, enólogos e
provadores nas empresas como cervejarias e torrefação e moagem de café. A fim
de evidenciar a veracidade desta inteligência, seguirei os critérios para a
escolha de um inteligência conforme foram descritos anteriormente.
Um dos critérios é a existência de estudos sobre populações
excepcionais, incluindo prodígios. Nada melhor para a provar a existência de
tais estudos do que o relato realizado por Oliver Sacks a respeito de um
estudante de medicina que, por usar determinadas drogas (cocaína, cloridrato de
fenociclidina [PCP] e anfetaminas), passou algumas semanas de sua vida com o
olfato e o paladar extremamente aguçados. "Ele descobriu que podia
distinguir todos os seus amigos - e pacientes - pelo cheiro. (...) Ele era
capaz de cheirar as emoções - medo, alegria, sexualidade - como um cachorro.
Podia reconhecer cada rua, cada loja pelo cheiro - era capaz de se deslocar por
Nova York , infalivelmente, guiado pelo cheiro." (SACKS, 1997, p.176)
Outro critério é a informação sobre o colapso da
inteligência em condição de lesão cerebral. A área responsável pelo olfato
possui uma pequena representação cortical na parte anterior do uncus e do giro
parahipocampal. Nos casos de epilepsia focal nesta área, o epilético queixa-se
de cheiros, normalmente desagradáveis, que não existem. (MACHADO, 1981, p. 220)
Uma lesão nesta área leva a uma anosmia, ou sejam incapacidade de sentir
odores.
Para aceitar tal inteligência é preciso considerar também os
dados sobre sua evolução. Sobre tal assunto, "Freud escreveu em várias
ocasiões que o sentido do olfato no homem era uma perda',
reprimido no crescimento e na civilização quando o homem assumiu a postura
ereta e reprimiu a sexualidade primitiva, pré-genital." (SACKS,
1997, p. 177) Nas obras de Freud tal idéia é encontrada principalmente nas
cartas número 55 e 75. A adoção da postura ereta deixava o nariz mais longe do
chão e fornecia um maior campo para a visão e para a audição. De fato, a
representação do olfato e da gustação passaram a ocupar um lugar
pronunciadamente menor no córtex por serem eclipsados pela representação
central dos sistemas exteroceptivos superiores, principalmente a visão e a
audição. (LURIA, 1981, p. 49)
Ainda devemos considerar o aspecto cultural da inteligência
palato-olfativa, que para ser considerada como tal, precisa ser universal.
Deste modo temos a culinária, presente em todas as culturas e em todas às
épocas.
Cada povo possui uma culinária própria onde cheiros e sabores são
apreciados ou depreciados e a capacidade da preparação de alimentos crus,
fritos ou cozidos é valorizada.
Da mesma maneira todos os outros critérios para a aceitação
de uma inteligência - como o conhecimento do desenvolvimento desta
inteligência, os estudos psicométricos e os estudos de treinamentos
psicológicos - também podem ser encontrados e explicitados da forma como
realizada acima.
E, trabalhando de igual modo, poderiam ser criadas tantas
inteligências quanto o número de capacidades humanas existentes.
4. CONCLUSÃO
A teoria das Inteligências Múltiplas tem enorme importância
ao conseguir derrubar a idéia de uma inteligência única, fechada. A muito a
ciência estava impregnada com tal idéia e já era tempo de fazermos uso de uma
noção de inteligência mais dinâmica.
Embora ninguém possa discordar das afirmações acima, também
esta teoria tens seus erros. Talvez o grande erro seja, tendo em vista as
inúmeras capacidades humanas valorizadas em nossa sociedade, escolher algumas
ignorando, com efeito, as outras não mencionadas. Por outro lado considerar
todas as inteligências seria impossível e inadequado.
Por isso Gardner escolheu um número limitado de determinadas
inteligências e acreditou em uma independência entre elas. Tal comportamento
foi exemplo típico do pensamento pragmatista americano.
Deste modo as
inteligências escolhidas poderiam ser trabalhadas de modo mais eficaz.
Porém poderíamos considerar também as inúmeras capacidades
existentes em cada ser humano e, sem pretensão de desejar um desenvolvimento
total, procurar desenvolver a inteligência em que cada pessoa em particular é
mais apta, que não necessariamente precisa estar incluída nas dez inteligências
descritas na teoria das IM. Desta forma, o educador - ou qualquer outro
profissional que trabalharia com a inteligência- precisaria conhecer melhor
cada indivíduo para perceber nele a capacidade que se sobressai. Os resultados
provavelmente seriam melhores pois, conforme vimos, a independência pura entre
as inteligências não existe e desenvolvendo melhor uma capacidade, outras
também seriam afetadas.
Mas este seria um passo mais adiantado. Levando-se em conta
a atual situação dos profissionais que, de qualquer forma, trabalham com o
aprendizado, a simples adoção da teoria das IM já é mais do que satisfatório.
REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS
GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na
prática 1. ed. Porto Alegre :
Artes Médicas, 1995
LURIA , Aleksandr Romanovich. Fundamentos de
Neuropsicologia. 1. ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, Livros Técnicos e
Científicos Editora, 1981.
MACHADO, Angelo. Neuroanatomia Funcional. 1. ed. São Paulo :
Atheneu, 1981.
MODERNELL, Renato; GERALDES, Elen. O Enigma da Inteligência.
Globo Ciência, Rio
de Janeiro, v.2, n. 15, p.56-63, out. 1992
SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um
chapéu. 1. ed. São Paulo :
Companhia das Letras, 1997
SPRINGER,
Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito. 1. ed. São