sábado, 10 de maio de 2025

23. Onde está Uóliben?

 


"Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não leem."

[Mário Quintana]

 

Uóliben desapareceu uns cinco anos após ser visto pela primeira vez.

Deixou saudades, é lógico. Mas, como ele mesmo havia dito, outros Uólibens apareceriam a todo momento. Não mais como um papagaio. Seriam seres humanos normais, que seriam imediatamente identificados por mim como conhecedores no assunto.

Lembro-me de uma historinha que ele me contou, premonitoriamente, certa vez.

Falava de uma pequena cidade imaginária, chamada Lisarb. Nela, havia uma escola de nível fundamental, que funcionou razoavelmente bem até os anos 80, quando o nível de ensino começou a cair abruptamente.

Os políticos da cidade começaram a se movimentar, freneticamente, para solucionar o problema, até que surgiu um sujeito com uma ideia mirabolante, dizendo que o problema eram os professores, pois não davam suas aulas de modo divertido e descontraído, assustando e desestimulando os alunos.

– Com medo, ninguém aprende! – ele dizia.

Como se tratava de um sujeito simpático, bem-falante e com a mídia do seu lado, o prefeito passou a ouvir, com bastante atenção, suas explicações.

– O professor deve contar piadas, para deixar a turma mais relaxada e descontraída. – afirmava em tom solene.

Ele próprio se encarregou de treinar os professores para que se tornassem um pouco palhaços, para ajudar os alunos a aprenderem as matérias.

Até o momento que o prefeito decidiu nomeá-lo professor. E logo da matéria que botava mais medo na moçada: a matemática.

O detalhe é que o sujeito nunca havia sido professor na sua vida. Ainda mais de matemática, que também era a mais assustadora das matérias na sua época de estudante. O fato é que a matéria era assustadora pelo grau de exigência dos professores que, de fato, ensinavam, pois haviam sido selecionados com base na vocação para a profissão – algo que já havia desaparecido ao longo do tempo.

Como era destemido e confiante, aceitou a nomeação no ato, achando-se plenamente apto para o desempenho da tarefa.

– Tudo bem, – dizia o professor bonachão – os tempos são outros. As pessoas não se preocupam mais com esses detalhes insignificantes... Vocação! Uma bela perda de tempo é o que é.

E lá se foi o professor que não era professor dar aulas de matemática.

Para comprovar sua teoria, ele literalmente se fantasiou de palhaço para sua primeira aula.

A turma adorou! Riram o tempo todo. A aula foi uma piada só, muito divertida.

Com a aprovação dos alunos, o novo professor decidiu que só daria suas aulas fantasiado de palhaço. Outros professores passaram a ouvir seus conselhos, aderindo à moda da nova vestimenta para dar suas aulas.

Com o sucesso imediato e o resultado obtido entre os alunos, o professor de matemática foi nomeado pelo prefeito como coordenador da escola.

O coordenador rapidamente implantou o seu método de ensino a outras escolas do município, quando se tornou secretário de educação. Inclusive, substituiu as paredes das escolas por lonas de circo, mais baratas e muito divertidas, pois havia notado que ainda havia medo em alguns estudantes para frequentarem as escolas, que mais pareciam presídios, com suas paredes frias.

Os professores sisudos foram aposentados ou convencidos a mudar de profissão, por não terem o perfil necessário aos novos tempos.

Em menos de cinco anos o rendimento dos alunos caiu assustadoramente.

Houve rápida movimentação para a adoção de medidas eficientes para a retomada no desempenho dos alunos.

Começaram com a mudança na denominação dos níveis de ensino. Os professores pararam por um tempo de usar fantasias e contar tantas piadas durante suas aulas.

O nível piorou ainda mais. Decidiram mudar a lona do circo, por uma ainda mais colorida, e a voltar a usar fantasia durante as aulas, além de contar o triplo de piadas.

Nesse cenário catastrófico, em que os estudantes não conseguiam mais aprender coisa alguma, surgiu um professor com uma ideia esdruxula dizendo que a qualidade dos estudantes é reflexo da qualidade dos professores. Não deu outra: o prefeito mandou demitir sumariamente o professor, por insolência grave à própria profissão.

Resumindo a história, o caso é que até hoje ninguém mais se entende naquele município. Uns acusam os outros de haverem criado o mesmo problema, mas ninguém com um sopro de discernimento ousa uma solução, com medo da demissão...

Até em um time de futebol a coisa parece ter um pouco mais de seriedade. Quando o time perde muito, o treinador é substituído, e a coisa melhora.

Logo após passar no vestibular, com 18 anos, fui convidado por um professor de matemática do terceiro ano do nível médio para dar aulas em seu cursinho, recém-inaugurado em Juiz de Fora, MG.

Aceitei.

Eram duas turmas, com mais ou menos uns 60 alunos em cada uma. Como eu ainda estava no ritmo de estudos do vestibular, arrepiei...

Não dava folga para a moçada. Começaram a reclamar do meu ritmo alucinado. Na turma da sala ao lado, eles tinham aula de matemática no mesmo horário. Dava para ouvir as gargalhadas do pessoal. Alguns dos meus alunos conseguiram espaço na sala e mudaram de turma. Como não dava para fazer beliches com as cadeiras, alguns tiveram que sofrer comigo.

Pedi para falar com o professor que havia me contratado. Avisei-o de que deveria buscar outro professor para ocupar o meu lugar.

– Você não gostou de dar aulas aqui? – perguntou o professor.

– Adorei! – respondi – São os alunos que não estão gostando. Sou sério demais para eles. Prefiro que eles chorem aqui dentro e riam na hora de consultarem o listão dos aprovados, e não o contrário. A moçada parece estar em ritmo de festa...

Não deu outra! O resultado dos 120 alunos do curso foi ridículo, para dizer o mínimo. Pelo que me lembro, apenas um logrou aprovação no vestibular. O curso fechou naquele mesmo ano.

Eu não posso mais caminhar como antes, por sequelas do AVC. Costumava andar de cinco a vinte quilômetros por dia, sempre pela manhã bem cedo, e às vezes quando o sol já estava quase no seu arrebol[1].

Foi numa dessas caminhadas que pensei ter visto Uóliben novamente. Era um papagaio, com certeza. Estava pousado em uma árvore, e não se assustou quando me aproximei. Pelo contrário, ficou me olhando, tranquilamente, da mesma forma que Uóliben fazia.

Arrisquei:

– Uóliben, é você?

Não era... Decidi seguir meu caminho. Era de manhã bem cedo, mas já havia movimento no parque. Não quis parecer um louco, dialogando com um papagaio...

FIM


[1] Vá pesquisar no Google ou no Gemini. Digite: significado de "arrebol".


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