"Os verdadeiros
analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não leem."
[Mário
Quintana]
Uóliben desapareceu uns cinco anos após ser visto pela
primeira vez.
Deixou saudades, é lógico. Mas, como ele mesmo havia dito,
outros Uólibens apareceriam a todo
momento. Não mais como um papagaio. Seriam seres humanos normais, que seriam
imediatamente identificados por mim como conhecedores no assunto.
Lembro-me de uma historinha que ele me contou,
premonitoriamente, certa vez.
Falava de uma pequena cidade imaginária, chamada Lisarb.
Nela, havia uma escola de nível fundamental, que funcionou razoavelmente bem
até os anos 80, quando o nível de ensino começou a cair abruptamente.
Os políticos da cidade começaram a se movimentar, freneticamente, para solucionar o problema, até que surgiu um
sujeito com uma ideia mirabolante, dizendo que o problema eram os professores,
pois não davam suas aulas de modo divertido e descontraído, assustando e
desestimulando os alunos.
– Com medo, ninguém aprende! – ele dizia.
Como se tratava de um sujeito simpático, bem-falante e com a
mídia do seu lado, o prefeito passou a ouvir, com bastante atenção, suas
explicações.
– O professor deve contar piadas, para deixar a turma mais
relaxada e descontraída. – afirmava em tom solene.
Ele próprio se encarregou de treinar os professores para que
se tornassem um pouco palhaços, para ajudar os alunos a aprenderem as matérias.
Até o momento que o prefeito decidiu nomeá-lo professor. E
logo da matéria que botava mais medo na moçada: a matemática.
O detalhe é que o sujeito nunca havia sido professor na sua
vida. Ainda mais de matemática, que também era a mais assustadora das matérias
na sua época de estudante. O fato é que a matéria era assustadora pelo grau de
exigência dos professores que, de fato, ensinavam, pois haviam sido
selecionados com base na vocação para
a profissão – algo que já havia desaparecido ao longo do tempo.
Como era destemido e confiante, aceitou a nomeação no ato,
achando-se plenamente apto para o desempenho da tarefa.
– Tudo bem, – dizia o professor
bonachão – os tempos são outros. As pessoas não se preocupam mais com esses
detalhes insignificantes... Vocação!
Uma bela perda de tempo é o que é.
E lá se foi o professor que não era professor dar aulas de
matemática.
Para comprovar sua teoria, ele literalmente se fantasiou de
palhaço para sua primeira aula.
A turma adorou! Riram o tempo todo. A aula foi uma piada só,
muito divertida.
Com a aprovação dos alunos, o novo professor decidiu que só
daria suas aulas fantasiado de palhaço. Outros professores passaram a ouvir seus
conselhos, aderindo à moda da nova vestimenta para dar suas
aulas.
Com o sucesso imediato e o resultado obtido entre os alunos,
o professor de matemática foi nomeado pelo prefeito como coordenador da escola.
O coordenador rapidamente implantou o seu método de ensino a outras escolas do
município, quando se tornou secretário de educação. Inclusive, substituiu as
paredes das escolas por lonas de circo, mais baratas e muito divertidas, pois
havia notado que ainda havia medo em alguns estudantes para frequentarem as
escolas, que mais pareciam presídios, com suas paredes frias.
Os professores sisudos foram aposentados ou convencidos a
mudar de profissão, por não terem o perfil
necessário aos novos tempos.
Em menos de cinco anos o rendimento dos alunos caiu
assustadoramente.
Houve rápida movimentação para a adoção de medidas eficientes para a retomada no
desempenho dos alunos.
Começaram com a mudança na denominação dos níveis de ensino.
Os professores pararam por um tempo de usar fantasias e contar tantas piadas
durante suas aulas.
O nível piorou ainda mais. Decidiram mudar a lona do circo,
por uma ainda mais colorida, e a voltar a usar fantasia durante as aulas, além
de contar o triplo de piadas.
Nesse cenário catastrófico, em que os estudantes não
conseguiam mais aprender coisa alguma, surgiu um professor com uma ideia esdruxula dizendo que a qualidade dos
estudantes é reflexo da qualidade dos professores. Não deu outra: o prefeito
mandou demitir sumariamente o professor, por insolência grave à própria
profissão.
Resumindo a história, o caso é que até hoje ninguém mais se
entende naquele município. Uns acusam os outros de haverem criado o mesmo
problema, mas ninguém com um sopro de discernimento ousa uma solução, com medo
da demissão...
Até em um time de futebol a coisa parece ter um pouco mais de
seriedade. Quando o time perde muito, o treinador é substituído, e a coisa
melhora.
Logo após passar no vestibular, com 18 anos, fui convidado
por um professor de matemática do terceiro ano do nível médio para dar aulas em
seu cursinho, recém-inaugurado em Juiz de Fora, MG.
Aceitei.
Eram duas turmas, com mais ou menos uns 60 alunos em cada
uma. Como eu ainda estava no ritmo de estudos do vestibular, arrepiei...
Não dava folga para a moçada. Começaram a reclamar do meu
ritmo alucinado. Na turma da sala ao lado, eles tinham aula de matemática no
mesmo horário. Dava para ouvir as gargalhadas do pessoal. Alguns dos meus
alunos conseguiram espaço na sala e mudaram de turma. Como não dava para fazer beliches com as cadeiras, alguns tiveram
que sofrer comigo.
Pedi para falar com o professor que havia me contratado.
Avisei-o de que deveria buscar outro professor para ocupar o meu lugar.
– Você não gostou de dar aulas aqui? – perguntou o professor.
– Adorei! – respondi – São os alunos que não estão gostando.
Sou sério demais para eles. Prefiro que eles chorem aqui dentro e riam na hora
de consultarem o listão dos aprovados, e não o contrário. A moçada parece estar
em ritmo de festa...
Não deu outra! O resultado dos 120 alunos do curso foi
ridículo, para dizer o mínimo. Pelo que me lembro, apenas um logrou aprovação
no vestibular. O curso fechou naquele mesmo ano.
Eu não posso mais caminhar como antes, por sequelas do AVC.
Costumava andar de cinco a vinte quilômetros por dia, sempre pela manhã bem
cedo, e às vezes quando o sol já estava quase no seu arrebol[1].
Foi numa dessas caminhadas que pensei ter visto Uóliben
novamente. Era um papagaio, com certeza. Estava pousado em uma árvore, e não se
assustou quando me aproximei. Pelo contrário, ficou me olhando, tranquilamente,
da mesma forma que Uóliben fazia.
Arrisquei:
– Uóliben, é você?
Não era... Decidi seguir meu caminho. Era de manhã bem cedo,
mas já havia movimento no parque. Não quis parecer um louco, dialogando com um
papagaio...
[1] Vá
pesquisar no Google ou no Gemini. Digite: significado de "arrebol".
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