segunda-feira, 28 de março de 2011

Educação e Liberdade

* Por Adolfo Sachsida
1. Desempenho educacional dos estudantes brasileiros
A educação pública brasileira está seguramente entre as piores do mundo. Os testes internacionais são muito claros a esse respeito. Um amplo conjunto de testes de comparação entre países aponta na mesma direção: o Brasil ocupa sempre péssimas posições no ranking da qualidade do sistema educacional. Mesmo quando comparamos a qualidade da educação no Brasil com a de outros países de similar renda per capita, ou similar nível de desenvolvimento econômico, temos um péssimo desempenho.

Em relação a outros países, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) – coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – não deixa dúvidas a respeito do baixo desempenho dos alunos brasileiros. O PISA avalia o conhecimento dos alunos (na faixa dos 15 anos de idade matriculados da 7ª série (8º ano) até o final do Ensino Médio) em três áreas: leitura, matemática e ciências. Em 2009 o PISA avaliou estudantes de 65 países, sendo 34 deles da OCDE. No ranking geral, o Brasil ocupou a 53ª posição com uma média de 401 pontos, contra uma média de 496 pontos dos países da OCDE. O Brasil ficou atrás de vários países que possuem um nível de desenvolvimento econômico similar ou inferior ao nosso, tais como a Grécia (473 pontos), a Rússia (469), a Turquia (455), a Sérvia (442), o Chile (439), a Bulgária (432), o Uruguai (427), a Romênia (427), a Tailândia (422), o México (420), Trinidad e Tobago (414), Montenegro (404) e a Jordânia (402). Imediatamente atrás do Brasil, temos a Colômbia e o Cazaquistão (399 pontos), a Argentina (396) e a Tunísia (392).

O que os resultados do PISA (2009) indicam é que os estudantes brasileiros têm desempenho baixo em nível internacional. Isso acontece em todas as áreas analisadas: leitura, matemática e ciências. No conjunto, esses resultados mostram que o aluno brasileiro está, na média, bem atrás dos estudantes de outros países desenvolvidos. Quando comparamos os resultados do Brasil com os de países de similar (ou inferior) desenvolvimento econômico, ainda assim o desempenho dos estudantes brasileiros deixa a desejar.

Muito interessante também é a análise dos dados do PISA (2009) para o Brasil, desagregados entre escolas públicas e privadas. De acordo com informações presentes no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), temos grandes diferenças de desempenho em razão da dependência administrativa da escola. Por exemplo, escolas públicas federais tiveram no PISA (2009) uma média geral de 528 pontos (535 pontos em leitura, 521 em matemática e 528 em ciências), e as escolas privadas seguiram a mesma tendência, obtendo uma média geral de 502 pontos (516 pontos em leitura, 486 em matemática e 505 em ciências). Ambas as médias se situam acima da média geral da OCDE, que é de 496 pontos. Além disso, também ficam acima da nota de importantes países tais como a Noruega e o Reino Unido (500 pontos), a Dinamarca (499), a França (497), os Estados Unidos e a Suécia (496), a Áustria (487) e a Espanha (484).

De acordo com os dados do PISA (2009), no Brasil o problema está concentrado na escola pública não federal. Nestas, a média geral foi de 387 pontos (muito inferior à média das escolas públicas federais e privadas) e foi distribuída da seguinte maneira: 398 pontos em leitura, 372 em matemática e 392 em ciências. Isso coloca as escolas públicas não federais brasileiras em um nível abaixo do de países tais como Trinidad e Tobago (414 pontos), Jordânia (402), Cazaquistão (399) e Azerbaijão (389).

2. Origens do problema
A. Gasto público com educação
Muitos atribuem a baixa qualidade da educação brasileira aos baixos investimentos realizados pelo governo na educação pública. Essa visão extremamente difundida implica que a origem dos problemas educacionais brasileiros se encontra no baixo volume de recursos públicos destinados ao financiamento do sistema educacional. Isto é, a solução para o problema passaria necessariamente pelo aumento dos recursos públicos destinados a educação.

Parece razoável assumir que um aumento dos gastos públicos em educação melhore a qualidade da educação pública. Contudo, é errônea a ideia de que, sem aumento nos gastos, não teremos melhoras no sistema educacional. Na realidade, a evidência internacional mostra que mesmo países que gastam menos em educação têm um desempenho educacional melhor do que o do Brasil. Isto é, atribuir o baixo rendimento escolar dos brasileiros à falta de recursos para educação é uma visão enviesada dos fatos.

Para comparações internacionais, temos que a média de gastos públicos com educação nos países da OCDE em 2004 foi de 5% do PIB, contra 3,9% do PIB investidos em educação pelo setor público brasileiro. Vale lembrar que países como a Grécia (3,3% do PIB), o Japão (3,5%), a Espanha (4,2%) e a Alemanha (4,3%) tiveram investimentos públicos em educação em relação ao PIB numa magnitude próxima da brasileira. Para países com níveis de desenvolvimento similares aos do Brasil, temos que o Chile investiu 3,3% do PIB em educação pública, a Federação Russa, 3,6%, e a Turquia, 3,8%.

Usando dados referentes ao ano de 2007, e incluindo os gastos totais em educação (públicos e privados), temos que o Brasil investiu 5,2% do PIB em educação, contra uma média de 6,2% da OCDE. Japão, Espanha, Alemanha e Itália são alguns dos países que, em proporção ao PIB, investiram menos em educação que o Brasil. Excluindo os gastos públicos com o ensino superior, a média dos países da OCDE gastou 3,6% do PIB com educação pública no ano de 2004. Para o Brasil, esse número foi de 2,9% do PIB. A Grécia (2,1% do PIB), o Japão (2,7%), a Espanha (2,8%) e a Alemanha (2,8%) apresentaram valores similares aos brasileiros. Em relação a países com nível de desenvolvimento similares, o Chile investiu 2,7% do PIB nessa modalidade, a Federação Russa, 2%, e a Turquia, 2,9%.

A análise dos parágrafos acima deixa claro que, apesar de o investimento em educação (em relação ao PIB) no Brasil ser menor do que a média da OCDE, tal diferença dificilmente pode explicar os enormes diferenciais de resultados encontrados nos testes de conhecimento internacionais. Além disso, países que têm um desempenho educacional muito superior ao do Brasil (tais como Japão, Alemanha e Espanha) têm padrões de gasto em educação pública similares aos nossos. Países que também desfrutam de um nível de desenvolvimento semelhante ao do Brasil (tais como o Chile e a Federação Russa) também obtêm scores de aptidão em testes internacionais superiores ao nosso, mesmo com padrões de gastos em educação pública similares aos dos Brasil. Isso nos leva a inferir que o problema do baixo desempenho educacional do brasileiro vai muito além do volume insuficiente de recursos públicos destinados a educação.

Novamente, deve-se reforçar que o volume de recursos públicos despendidos em educação é uma variável importante para garantir a qualidade desta. Além disso, gastos passados também são importantes. Isto é, talvez parte do fracasso do sistema de ensino público no Brasil se deva aos baixos montantes investidos no passado. Contudo, o que a análise dos parágrafos acima mostra é que o péssimo desempenho educacional das crianças brasileiras não pode ser atribuído exclusivamente ao montante de recursos públicos investidos em educação. A rigor, parece que existem outras causas, muito mais sérias, que explicam o baixo aproveitamento escolar no Brasil.

B. Tamanho das turmas e qualificação do professor
Os resultados do Education at a Glance (EAG) 2010, com dados referentes aos anos de 2007 e 2008, divulgados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostram que no Brasil cada professor é responsável, em média, por 25 alunos nas séries iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º anos) e por 30 alunos nas séries finais (6º ao 9º anos). Já na OCDE, essas médias são de 22 e 24 alunos, respectivamente. Essa realidade também permeia a pré-escola, na qual o número médio de alunos por professor no Brasil é de 19, contra 16 na média da OCDE.

Os dados acima deixam claro que no Brasil o tamanho das turmas é maior do que na média da OCDE. Contudo, essa diferença não é tão grande como muitos acreditam. Em média, no Brasil, as turmas de 1º ao 5º ano têm apenas três alunos a mais do que na média da OCDE, chegando em média a cinco alunos a mais para o 6º ao 9º ano. É extremamente difícil creditar o péssimo desempenho educacional das crianças brasileiras, em testes internacionais, com base em uma diferença de tamanhos de turma tão pequenos.

Também se deve ressaltar que os numerosos estudos que tentam verificar o impacto do tamanho das turmas sobre o desempenho educacional dos alunos até agora não chegaram a conclusões claras. Contudo, existe boa documentação que sinaliza para o baixo efeito do tamanho das turmas sobre o desempenho educacional do aluno. De maneira geral, é extremamente difícil argumentar que turmas ao redor de 40 alunos afetem de maneira significativa a qualidade do ensino para alunos do nível fundamental e médio.

Em resumo, temos que o tamanho médio das turmas no Brasil não é assim tão diferente do tamanho médio das turmas nos países da OCDE. Além disso, estudos técnicos indicam que o efeito do tamanho das turmas sobre a qualidade do ensino não tem uma magnitude expressiva, sendo comum alguns estudos sugerirem que aumentos do tamanho das turmas podem até melhorar a qualidade do ensino. Em vista dos parágrafos acima, é extremamente difícil culpar o tamanho das turmas no Brasil por nosso fraco desempenho nos testes internacionais de educação. Também parece pouco provável que possamos culpar o tamanho das turmas aqui como sendo responsável pelo baixo aproveitamento educacional de nossos alunos nos testes de conhecimento realizados em nosso país.

Em relação à qualificação dos professores, podemos inferir seguramente que professores mais motivados e mais bem preparados serão capazes de motivar melhor seus alunos e lhes explicar o conteúdo de suas disciplinas de maneira mais eficiente. O problema reside exatamente em como motivar e preparar melhor o professor. Por exemplo, apesar de ser senso comum que um professor com doutorado seja melhor do que um professor apenas com graduação, isso de maneira alguma encontra respaldo nos dados. Pelo contrário, por vezes professores com formação acadêmica mais baixa obtêm avaliação pelos alunos muito superior à dos professores mais titulados. Isto é, titulação mais alta não implica necessariamente em melhor qualidade de aula.

Um detalhe que deve ser deixado claro é que, na maioria das vezes, os programas de mestrado/doutorado não preparam seus alunos para a sala de aula, mas sim para a pesquisa. Isto é, doutores são preparados para fazer pesquisa acadêmica de alto nível, e não para ensinar em sala de aula. Sendo assim, é bem pouco provável que estimular professores do ensino básico/fundamental/médio a cursarem programas de doutorado vá melhorar a qualidade da aula. Talvez programas de especialização latu sensu sejam os mais adequados para se melhorar a didática do professor. Mas mesmo nesse caso, a evidência empírica não é conclusiva.

De posse dos dados e das informações disponibilizadas nos parágrafos anteriores, é muito pouco provável que possamos atribuir o mau desempenho acadêmico dos estudantes brasileiros ao tamanho das turmas. É verdade que professores mais qualificados podem ministrar melhores aulas, mas parece pouco provável que capacitar professores do ensino básico/médio com cursos de mestrado/doutorado possa resolver o problema do desempenho educacional dos estudantes.

C. Tempo na escola
No que se refere ao número total de horas de instrução, para crianças entre 7 e 14 anos, oferecido por instituições públicas, o Brasil se situa numa posição intermediária em relação aos países da OCDE. Na média dos países da OCDE, o número total de horas de educação que os estudantes recebem é de 6.777 horas, variando de um mínimo de 4.715 horas na Polônia até mais de 8.000 horas na Itália e em Israel. No Brasil, esse número é de aproximadamente 6.500 horas, ficando num patamar pouca coisa abaixo daquele da Islândia e da Dinamarca, e pouca coisa acima do Japão, da Grécia e da Alemanha. Noruega, Suécia e Finlândia também se localizam num patamar de horas inferior ao do Brasil. Esses dados sugerem que o fraco desempenho educacional dos estudantes brasileiros não pode ser atribuído ao baixo tempo de permanência na escola.

Aumentar o tempo de permanência na escola pode melhorar o resultado educacional dos estudantes. Contudo, devemos ressaltar que países com carga horária similar à brasileira têm desempenho educacional muito superior ao nosso. Talvez mais importante do que aumentar a carga horária total seja aumentar a carga horária de português, matemática e ciências.

D. Estrutura administrativa
Dados do Education at a Glance 2010, usando dados de 2008, mostram que na Dinamarca (18%), na França (18%), na Espanha (28%), no Chile (47%), na Bélgica (55%) e na Holanda (70%), escolas privadas dependentes do governo têm importante participação no sistema educacional. Escolas privadas dependentes do governo são aquelas escolas privadas que recebem mais da metade de seu financiamento do governo ou que dependem do setor público para pagar seus professores.

Os dados do PISA (2009) para o Brasil, desagregados entre escolas públicas e privadas, mostram uma importante realidade: as escolas públicas federais tiveram no PISA (2009) uma média geral de 528 pontos, e as escolas privadas obtiveram uma média de 502 pontos (acima da média da OCDE, que é de 496 pontos, e acima da nota de importantes países tais como a Noruega, o Reino Unido, a Dinamarca e a França). Contudo, na escola pública não federal, a média foi de 387 pontos (um nível abaixo do de países tais como Trinidad e Tobago, Jordânia, Cazaquistão e Azerbaijão). Sendo assim, é provável que uma mudança administrativa nas escolas públicas não federais possa gerar importantes efeitos de qualidade.

Talvez o Brasil devesse seguir o caminho de países como a Holanda e a Bélgica, e implementar a adoção de um regime fortemente baseado na presença de escolas privadas dependentes do governo. É importante ressaltar que esse modelo mantém a escola gratuita para os alunos, mas agora sob administração privada.

3. Conclusão e implicações de políticas públicas
A implicação de política pública deste estudo é óbvia: o governo deve aumentar a liberdade das escolas. A maneira mais evidente de se fazer isso é seguir o exemplo da Holanda e da Bélgica, transferindo o dinheiro público diretamente para escolas privadas, mantendo assim a educação gratuita para os estudantes, mas transferindo a administração dessas para o controle privado.

Outra maneira de se aumentar a liberdade nas escolas reside em se apoiar a educação dentro de casa. Se uma família é capaz de educar seus filhos melhor do que o Estado pode fazer, então não há razão para se proibir isso. Isto é, não é necessário obrigar as crianças a irem até a escola pública quando elas recebem melhor educação dentro de casa.

*Doutor em Economia, autor dos livros “Fatores Determinantes da Riqueza das Nações” e “A Crise de 2007-09: Uma Explicação Liberal”. O autor também mantém o blog: Adolfo Sachsida – Opiniões.  
**O presente artigo é uma parte do capitulo 2 do livro “10 Fantasmas que Assombram uma Nacao: Um Projeto de Reconstrucao Nacional”, que está em produção pelo autor.
Crédito da Imagem: http://www.forumdaliberdade.com.br/fl24/wp-content/uploads/2011/03/lapis-267x300.jpg

Fonte: http://www.forumdaliberdade.com.br/fl24/educacao-e-liberdade/

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