segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A pesquisa em tempos de "Ctrl C + Ctrl V"

Assumir a autoria de uma obra intelectual criada por outra pessoa é um crime que instituições de ensino superior já enfrentam com frequência.


Por Karine Ruy


É com atenção de Sherlock Holmes que muitos professores folheiam os trabalhos acadêmicos que todo ano formam pilhas nas suas mesas e escaninhos. E não só para avaliar a compreensão dos conteúdos discutidos nas disciplinas e o grau de reflexão construído pelos estudantes. Cada vez mais, eles precisam exercitar o seu lado detetive para identificar - e punir - casos de plágio.

Assumir a autoria de uma obra intelectual criada por outra pessoa é um crime que instituições de ensino superior já enfrentam com frequência. A situação provocou, no início do ano, um posicionamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que divulgou um documento de combate à prática do plágio. Elaborado com base em orientações encaminhadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o texto recomenda que instituições de ensino públicas e privadas "adotem políticas de conscientização e informação sobre a propriedade intelectual".

A manifestação da OAB mostra preocupação, sobretudo, com as implicações trazidas pela internet, e consequentemente, pelos seus milhares de bancos de dados disponíveis na rede. Mas o que se encontra em debate, obviamente, não é a democratização do acesso à produção intelectual, e sim o uso feito a partir das ferramentas digitais. Um dos trechos mais enfáticos do documento chama a atenção para a capacidade de reflexão e expressão dos estudantes brasileiros. "Muitos de nossos alunos não sabem escrever, não sabem compor um texto, elaborar uma ideia original e, pior de tudo: não aprendem a pensar e desenvolver o senso crítico", defende, em letras negritadas, a entidade.

A cultura do "Ctrl C + Ctrl V" - comandos do teclado que permitem copiar e colar - levou muitas universidades a estabelecerem políticas de fiscalização e investigação de casos suspeitos. Em algumas instituições os alunos, inclusive de pós-graduação, recebem manuais de ética com normas sobre o uso e a devida referência das obras utilizadas em trabalhos acadêmicos. O jornalista e pesquisador Juremir Machado da Silva integra o comitê de ética da PUCRS, de Porto Alegre, para onde são encaminhadas as denúncias de casos de plágio na universidade. "É um assunto bem simples para nós. Se ficar demonstrado que tem plágio, o aluno tem que ser punido", afirma Juremir. "Pessoa que faz o plágio é desonesta. Ninguém ensina a ser desonesto", ressalta.

A desonestidade a que Juremir se refere é um crime previsto pelo artigo 184 do código penal brasileiro. Poderia render de três meses a um ano de prisão ou multa. Mas na prática, as medidas diante de casos de plágio costumam envolver pedidos de indenização e também as punições previstas em cada universidade. "Uma tendência é tornar sem valor o título obtido com o trabalho", explica o professor Gonzaga Adolfo, especialista em direitos autorais. "O plagiador ofende muito aos direitos morais do autor ao usar a obra de outro e afirmar que é sua", complementa o especialista.

Já a lei do direito autoral - L 9.610, de 1998 - não prevê um capítulo específico para o plágio, mas deixa claro que se trata de uma prática ilegal. No Artigo 24, por exemplo, são listados os direitos morais do autor, que incluem "reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra" e "assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra".

O plágio também acontece de forma indireta. Na internet, é fácil localizar empresas especializadas no comércio de trabalhos acadêmicos. Numa delas, o anúncio garante que todas as monografias prontas disponibilizadas no site são exclusivas. Na hora da negociação, a empresa verifica se a monografia em questão já foi vendida para a cidade do cliente em potencial - uma forma de garantir a segurança do interessado. Pressionados por universidades inglesas, o Google anunciou em 2007 que iria proibir anúncios de vendas de trabalhos acadêmicos, mas as ofertas continuam na rede.

O crescimento desse tipo de serviço, muitas vezes batizado como "assessoria acadêmica", provoca discussões sobre a prática pedagógica e o modelo de ensino-aprendizagem. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e professor na mesma universidade, Richard Romancini defende que o plágio não deve ser encarado como um problema introduzido pela tecnologia digital. A cópia hoje realizada com facilidade no computador se fazia, em outros tempos, à mão. "Muitas vezes o paradigma pedagógico favorece a ideia que localizar informações é construir conhecimento", explica Romancini, lembrando o tempo em que a missão de fazer um trabalho envolvia incursões à Barsa. "A gente tem a ideia que a pesquisa era muito diferente, que antes não havia isso. O que existe de novo hoje é a abundância de informação que o acesso digital permite", defende o professor.

Para verificar a originalidade dos trabalhos recebidos, muitos professores já tornaram hábito jogar em sites de busca na internet trechos que despertam desconfiança. Opções mais sofisticadas também estão à disposição das instituições de ensino, como os softwares Turnitin, Plagiarism-Finder e o Safe Assign. Outras vezes, nem é preciso chegar perto do computador para constatar a cópia de outras obras. Como observa Romancini, o professor consegue perceber o plágio analisando a forma como as ideias vão sendo construídas no decorrer da pesquisa, na dificuldade de fazer relações - algumas vezes muito distante do histórico do aluno e do próprio nível de aprendizado.

Um dos desafios pedagógicos da atualidade é deixar claro, em todas as fases da vida escolar e acadêmica, que o acesso a informações não é sinônimo de conhecimento. Na avaliação da Doutora em Educação Maria Isabel da Cunha, professora do programa de pós-graduação da Unisinos, essa mudança de paradigmas iniciada no século 20 deve nortear a pedagogia. "O bom aluno não é mais aquele que sabe memorizar e repedir informações, e sim o que interage com o conhecimento e o ressignifica em função de condições específicas. Ao mesmo tempo, o professor não é mais visto como um erudito que deve saber tudo de tudo e tem o papel de 'dar' aulas, distribuindo a sua erudição. Antes é alguém que compreende o conhecimento em movimento e 'faz' as aulas com os estudantes, valorizando o protagonismo dos mesmos na relação com o saber", explica Maria Isabel.

O essencial, na opinião da especialista, é que a dúvida seja encarada pelos estudantes como um motor para o aprendizado e experimentações originais. "Uma proposta de mudança paradigmática, que inclua a pesquisa como princípio educativo, tem de levar em conta que a dúvida nasce da prática e ela precisa ser estimulada desde o início da formação. Trabalhar com a imprevisibilidade, com hipóteses e com o conhecimento relativo ajuda o aluno a pensar e a se ver como também capaz de produzir conhecimento. E essa premissa tem a ver com as práticas da aula e com os desenhos curriculares, que precisam acompanhar a mudança paradigmática", observa a professora.

Diante de novos paradigmas do cenário educacional, as tecnologias de comunicação não precisam ocupar o posto de vilões. Afinal, se a riqueza de conteúdos disponibilizados pela internet e a engenhosidade com que as novas gerações exploram o ambiente virtual forem incorporadas de forma ética à prática acadêmica, o resultado tende a ser mais criatividade e muito menos fraude. O necessário, como destacou a professora Maria Isabel, é dar espaço para que cada estudante faça suas próprias perguntas e seja estimulado para buscar as respostas.

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